INTERVENÇÃO FUNCIONAL

INTERVENÇÃO FUNCIONAL PERSONALIZADA

Por Dirceu Henrique Mendes Pereira* – Mestre e Doutor em Ginecologia – FMUSP

 

1 – Introdução

Danilo Perestrello, médico psicanalista, publicou o livro: “A medicina da pessoa” em 1989, trazendo à luz o conceito de que a doença não é algo que vem de fora e se superpõe ao homem, mas sim o modo peculiar da pessoa se expressar em condições adversas. O estudo da biografia do individuo é fundamental para entender as manifestações sintomáticas que caracterizam a doença. Pouca atenção é dedicada ao terreno biológico e às condições de estilo de vida e ecossistema em que o indíviduo acometido vive.

O ginecologista deve observar a paciente como um ser total, cujas disfunções podem se manifestar num órgão específico. A intervenção funcional personalizada estriba-se nos fundamentos da medicina convencional, porem utiliza recursos adicionais na investigação e tratamento da pessoa acometida pela doença.

Uma nova era na medicina surgiu com o conceito de que os mecanismos fisiopatológicos se originam em bases moleculares biológicas e que estão relacionados a intrincada interação com o ecossistema e a expressão dos genes. Essas conquistas cientificas exigirão mudanças importantes no ensino de ciências biológicas demonstrando que os distúrbios fisiopatológicos ocorrem primordialmente na função intrínseca celular manifestando-se de formas diversas nos órgãos e sistemas que integram o nosso organismo.

Nenhum ser vivo da natureza pode prescindir de fontes energéticas para a execução de tarefas fisiológicas especificas. O ar atmosférico que respiramos, água e alimentos que consumimos necessitam de adequada transformação em bioenergia; fica muito claro que essas fontes devem ser saudáveis para que o processamento ocorra a contento. Daí a importância da alimentação e meio ambiente para avaliar a qualidade das fontes energéticas. A sua assimilação depende fundamentalmente do processo digestório, da absorção de nutrientes, da respiração celular e qualidade funcional da microbiota intestinal. As mitocôndrias são organelas citoplasmáticas encarregadas de produzir energia, através do ciclo de Krebs, mediante o aporte necessário de nutrientes. Como em condições adversas a utilização de oxigênio é intensa, pode ocorrer a formação exagerada de radicais livres gerando estresse oxidativo. Mulheres após 40 anos têm grande possibilidade de apresentar o aparelho mitocondrial em estado de exaustão metabólica. Assim sintomas como cansaço, fadiga, adinamia podem ser atribuídos a um apagão parcial da função mitocondrial.

 

TÓPICO I: INFERTILIDADE FEMININA

Desequilibrio Neuroendócrino Feminino

A mulher apresenta interação hormonal mais complexa do que o homem distinguindo-se em função da sua ciclicidade ovulatória. Obviamente a interação entre sistema límbico, hipotálamo, hipófise, gônadas, tireoide, adrenais e tecido adiposo periférico se processa sobre a mesma plataforma envolvendo hormônios e respectivos receptores, nos dois sexos. Porém a mulher exibe comportamento cíclico, visando a procriação, dependente da ação moduladora dos hormônios sexuais. Os neurotransmissores são por eles influenciados tornando a mulher um ser dotado de maior labilidade comportamental traduzindo as mudanças que ocorrem na puberdade, menacme e peri-menopausa. O desejo atávico de exercer a maternidade constituirá quase sempre o seu maior foco de atenção no âmbito pessoal, familiar e social. Nêste particular a integridade morfo-funcional do sistema neuroreprodutivo ocupa lugar de destaque para o seu desempenho sexual e procriativo.

Gerar uma criança é anseio atávico de todas as mulheres, sendo a exceção uma raridade. Talvez seja uma necessidade inconsciente de perpetuar o seu genoma no nosso planeta. Quando ocorre a decepção de não atender a esse apelo biológico a mulher é acometida de uma frustração incomensurável que pode abalar temporariamente o seu universo psicossomático. Após vários meses de tentativas mal sucedidas o casal parte à procura de recursos médicos para a resolução do problema. A maioria das mulheres ainda busca ajuda com o seu ginecologista, embora haja centros de medicina reprodutiva à disposição.

Define-se como infertilidade conjugal a incapacidade de um casal engravidar após 18 meses de relacionamento sexual, sem o uso de método contraceptivo eficaz (Organização Mundial de Saúde – OMS). A esterilidade é denominação que abarca a impossibilidade total do indivíduo ter um filho com o seu próprio genoma (agenesia gonadal) ou no seu corpo (ausência de útero). Esse termo tem conotação individual, enquanto que a infertilidade envolve os cônjuges.

As causas de infertilidade são em 40% das vezes devido a um fator feminino; em outros 40% devido a um fator masculino; e ainda 20% dos casos, devido a associação dos dois fatores. Não raro, é multifatorial; ou seja, coexistem dois ou mais fatores (por exemplo: anovulação crônica e obstrução tubária). Logo, a abordagem para diagnóstico e tratamento deve ser global, abrangendo a totalidade bio-psico-social do casal.

Atualmente, a prevalência de infertilidade feminina nos grandes centros dos países industrializados é de 15%, significando, portanto, boa parcela das consultas atendidas pelos ginecologistas. Muitos fatores de infertilidade são de fácil tratamento quando devidamente diagnosticados, não necessitando então que o casal seja encaminhado para um centro de reprodução humana. Cabe ao ginecologista, portanto, realizar a pesquisa básica da infertilidade conjugal.

Embora a Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO) considere dois anos como período de tempo necessário para se iniciar o diagnóstico da infertilidade, sabe-se que estatisticamente, após um ano de tentativa, um casal fértil tem 85% de chance acumulada de gestação. Portanto, não há necessidade de se esperar dois anos para iniciar a pesquisa. Não obstante, a idade do casal deve ser sempre considerada. É sabido que a capacidade reprodutiva é inversamente proporcional à idade cronológica, principalmente para a mulher, cuja qualidade oocitária se reduz drasticamente com a idade. Logo, não é prudente que um casal acima de 37 anos aguarde mais do que seis meses por uma gestação espontânea.

As principais causas de infertilidade feminina são:
– Distúrbios da ovulação
– Obstrução e/ou aderências tubarias
– Endometriose pélvica
– Hostilidade do muco cervical
– Anomalias no corpo do útero (fibroma, pólipos, aderência na cavidade, etc)
– Alterações imunológicas ( iso e aloimunidade )
– Conflitos psicológicos

 

TÓPICO II : INFERTILIDADE MASCULINA

Deve-se iniciar a investigação da infertilidade conjugal pelo homem. Pela simplicidade e eficiência dessa atitude, além de eventual efeito custo-benefício, esta conduta é a mais sensata. A anamnese é de fundamental importância e não deve ser jamais ser relegada. Vários subsídios podem ser obtidos mediante os antecedentes pessoais e familiares, os hábitos de vida, o ambiente de trabalho, etc. Indagar sobre relacionamentos anteriores e ocorrência de filhos. O exame físico geral complementa os dados obtidos avaliando o índice de massa corporal, pressão arterial, etc. Ainda o exame da genitália é de fundamental importância objetivando avaliar a integridade anatômica do pênis, testículos e próstata. Pode-se observar a presença de varizes no escroto (varicocele), condição adversa para os espermatozoides. O exame de ultrassonografia com Doppler complementa o exame físico.

A solicitação de perfil de hormônios sexuais e de marcadores metabólicos pode trazer informações úteis para a intervenção terapêutica visando restaurar o equilíbrio funcional. O espermograma traduz o potencial fértil masculino e, portanto a sua solicitação é obrigatória para todos os casais inférteis.

O sêmen é colhido, geralmente, por masturbação, em local apropriado, de preferência anexo ao laboratório, após período de abstinência sexual de dois a três dias. Se um primeiro exame não for esclarecedor, já que podem ocorrer variações fisiológicas naturais, principalmente na emissão do sêmen, as conclusões devem alicerçar-se em dois exames separados por intervalo de aproximadamente 15 dias. Na tabela abaixo, alinham-se os valores do espermograma considerados normais.

A morfologia é um dos parâmetros mais importantes a ser analisado na avaliação semiológica. Valores de morfologia estrita acima de 4% são compatíveis com resultados satisfatórios nos tratamentos em que a fertilização deverá se processar in vivo, ou seja, no trato genital feminino. Até 2010 o corte estabelecido por Kruger era 14%, o que nos parecia mais seletivo para definir uma população fertil. A OMS reconheceu uma pesquisa levando em conta homens dos países nórdicos, Holanda e Austrália, ignorando latinos e africanos, e chegou a taxa de corte de 4% de espermatozóides rigorosamente ovais, que atualmente faz parte do seu manual de infertilidade.

Quando for observado espermograma significativamente alterado deve-se solicitar o cariótipo de banda G, exame que avalia a constituição numérica e estrutural dos cromossomos. Outro teste genético indicado diante de oligoastenoteratospermia severa e azoospermia germinativa é a microdeleção do cromossomo Y. Na amostra seminal o número de leucócitos não deve exceder 1 milhão/ml. Os estudos demonstram que a geração de radicais livres, que deterioram a qualidade seminal, depende basicamente da presença maciça de leucócitos e de espermatozoides anômalos.

O grau de comprometimento do dano ao espermatozoide pode ser avaliado pelo Índice de fragmentação do DNA cuja detecção é realizada mediante vários métodos:
a) colorimétrico utilizando a acridina laranja;
b) TUNEL – transferase-mediated dTUP Nick-end labelling;
c) ensaio da estrutura da cromatina – SCSA;
d) COMET.

Os mais utilizados são a acridina laranja cujo valor de corte é 15% e o TUNEL com cutoff de 19,25% para diferenciar população de homens férteis e inférteis (X). O estresse oxidativo é a resultante da concentração de radicais ROS (substancias oxigênio reativas) versus substancias antioxidantes.

Normalmente o espermatozoide de mamíferos é uma célula com atividade redox, sendo capaz de produzir ROS e exportando-os para o meio extra-celular para regular funções biológicas como a reação acrossômica, hiperatividade e fertilização. No entanto, o excesso desses metabolitos é deletério aos sptz causando dano ao DNA nuclear e na mitocôndria, induzindo peroxidação lipídica na membrana celular bem como denaturação de proteínas. De fato, os sptz são extremamente susceptíveis aos efeitos do estresse oxidativo devido ao alto conteúdo de PUFA na membrana plasmática bem com a limitação defensiva de anti-oxidantes no liquido seminal.
Os radicais livres estão associados a pobre qualidade do sêmen e por conseguinte à infertilidade. Estima-se que 40 a 88% de homens inférteis não selecionados exibem altos níveis de ROS. Relatos recentes demonstraram que indivíduos inférteis normozoospermicos tem altos teores desses agentes e capacidade antioxidativa total (TAC) reduzida. A exata prevalência de estresse oxidativo é desconhecida, embora um único estudo controlado com número reduzido de homens normozoospermicos a estimou em 11%.

No laboratório de andrologia os ROS são avaliados mediante dois métodos:
a) Direto: através da quimioluminucência e citometria de fluxo.
b) Indireto: colorimétrico, tendo como alvo os produtos finais da peroxidação lipídica da membrana dos espermatozóides.

As medidas terapêuticas ainda são controversas mas nos parece sensato instituir nutrientes anti-oxidantes por um período mínimo de 3 a 6 meses para melhorar o desempenho dos gametas em procedimentos naturais ou de reprodução assistida.

Deve-se orientar o individuo para re-educação alimentar, não ingerir álcool ou fumar e evitar agentes poluentes. Recente revisão da Cochraine – Medicina baseada em evidências, sugere que a suplementação de antioxidantes tem efeito positivo para melhorar a taxa de gravidez e de recém-nascidos em casa em casais submetidos a técnicas de reprodução assistida. Ainda não temos na literatura número suficiente de trabalhos científicos randomizados que validem a terapia ortomolecular. Temos a percepção de que nutrição adequada associada a exercícios físicos, propiciando ajuste ponderal, e o uso de nutrientes suplementares constituam atitudes de real validade para incrementar a vida sexual e a fertilidade masculina. O aporte personalizado de vitaminas (Beta-caroteno, ácido ascórbico, alfa-tocoferol), minerais (selênio, magnésio, zinco), amino-ácidos (n-acetilcisteina, carnitina), enzimas ativadoras de mitocôndrias (CoQ10, PQQ), complexo B e ácidos graxos poliinsaturados (Ômega 3) constituem substrato nutricional precioso para o resgate anátomo-funcional dos espermatozóides.

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